sábado, 29 de outubro de 2016

C(*)NVIVÊNCIA

No tempo em que se falava de política com receio e olhando pros lados, uma piada de humor negro dizia que “a esquerda brasileira só se une na prisão”. E era verdade. Quanto mais aparentemente próximos nas ideias, maior a dificuldade de união na vida real. A regra era subdivisão em correntes, facções e subgrupos. Pra ficar num exemplo folclórico: era quase impossível ver o Partido Comunista Brasileiro e o Partido Comunista do Brasil juntos. 

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Já vi religiosos de crenças bem parecidas (originadas no mesmo cristianismo) discutindo com uma veemência que não usariam em discussões com agnósticos ou seguidores de outras tradições.

Água e azeite, tão próximos e tão distantes.

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Às vezes é mesmo mais difícil mudar pequenos detalhes e vencer pequenas distâncias do que fazer gestos grandiloquentes e dar grandes saltos, né? Mais fácil mudar de profissão do que mudar o modo de encarar a profissão. Mais fácil ir morar em outro continente do que ir dormir no quarto ao lado.

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Narcisismo das pequenas diferenças é um conceito usado por Freud. Se entendi bem, se refere a situações em que o pouco que há de diferente (entre duas pessoas, duas cidades, países) se sobrepõe ao muito que há em comum.

Ouvi a expressão em dois momentos bem distintos: numa palestra sobre a II Guerra Mundial (que abordava a rivalidade entre nações vizinhas, culturalmente próximas) e num papo com um amigo que achava seus primos chatos e suas primas pouco atraentes (ah, a distância entre parentes próximos...).

Freud, como todo grande poeta, sempre dá pano pra manga. Seja na sala de aula ou na mesa do bar.


Ps.:
Narciso é aquele que (segundo Caetano Veloso na letra de Sampa) acha feio o que não é espelho.


Ps 2.: Tentando descobrir mais sobre o tal narcisismo das pequenas diferenças no amansa-burro digital, tropecei numa parábola de Schopenhauer:


Em um gelado dia de inverno, os membros da sociedade de porcos-espinhos se juntaram para obter calor e não morrer de frio. Mas logo sentiram os espinhos dos outros e tiveram de tomar distância. Quando a necessidade de aquecerem-se os fez voltarem a juntar-se, se repetiu aquele segundo mal, e assim se viram levados e trazidos entre ambas as desgraças, até que encontraram um distanciamento moderado que lhes permitia passar o melhor possível.

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