sexta-feira, 27 de maio de 2016

A diferença é (*) que tem(*)s em c(*)mum


Dia desses, quando um amigo revelou aos seus ouvintes seu desgosto pelo cinema, foi imediatamente fuzilado com olhares que mixavam espanto, reprovação e pena. Eu mesmo devo ter misturado esses três ingredientes quando li que o poeta João Cabral de Melo Neto não gostava de música. Ou quando ouvi Maria Bethânia dizer que não gosta do pôr do sol (segundo ela, é uma hora “nem barro nem tijolo”).

Mais do que questões de gosto pessoal, me interessa o caráter provocador dessas declarações. São pequenos desafios ao bom-senso-uníssono-ensurdecedor. Valorizo cada vez mais os pensamentos minoritários, quase idiossincráticos. É preciso preservá-los da patrola e da patrulha. São como as notas dissonantes que embelezam tantos acordes. Não podem silenciar.

O mundo virtual, com suas redes sociais, propicia que pensamentos minoritários encontrem um fórum, o que é muito legal. Estranho é que esse encontro sirva para que se reproduzam os mesmos vícios das maiorias. Um monte de gente que pensa igual se encontra, se fecha em grupos muito específicos e perde contato com pensamentos diferentes. Isolados, os iguais se realimentam, radicalizam e acabam atrofiando os músculos da tolerância. Já não são minorias: são maiorias em miniatura. Mas, como todos sabemos, uma lagartixa não é um jacaré pequeno.

É mais fácil pregar para os convertidos. Mas, faz sentido? Nah! Temos é que aprender a conviver! Sem represas, sem apartheid. Sem vidas secas, nem olhos úmidos.

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Quando entramos em contato pela primeira vez com uma banda, uma pessoa ou uma canção é natural que nos perguntemos com que outra ela se parece. Pensamos por analogia. Precisamos catalogar a informação, para isso usamos atalhos. Tudo bem, se for só a reação inicial. O perigo é ficarmos para sempre nos resumos e simplificações. Pior ainda se, para sermos mais rapidamente entendidos, cedermos à tentação de abreviar, catalogar e traduzir nossas próprias atitudes. Muito cuidado com a pessoa, a banda ou a canção que quer se parecer com outra! 
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Algumas coisas são difíceis e levam tempo. Algumas dessas coisas (difíceis e que levam tempo) são as melhores da vida. Pensei nisso enquanto comia um pouco de lixo num fast-food. Falando em comida (e mudando de assunto): acho estranho que as refeições sejam unanimemente aceitas como momentos de confraternização. Ok, ok, “partilhar o pão” é uma metáfora insuperável, sem dúvida. Mas não acho o ser humano, enquanto mastiga e engole, uma visão muito agradável. Talheres, copos e guardanapos não ajudam muito a disfarçar a verdadeira finalidade do “churrascão” e da “jantinha”. Pra ser sincero, acho as cenas de leões se alimentando que vejo no Discovery Channel menos agressivas do que a socialização que já testemunhei em alguns restaurantes. Pena que não entendo nada de antropologia! Gostaria de saber se sempre foi assim, em todas as culturas. Será que alguma civilização fez do momento emblemático da alimentação algo solitário e introspectivo? É a hora em que mais nos aproximamos do pó do qual viemos e ao qual voltaremos. Abocanhar, mastigar e engolir matéria para continuar sendo matéria! Nós, pobres spirits in a material world.

Desculpaí se foi mais um pensamento estranho do tipo “não gostar de música, cinema e pôr do sol”. 



p.s : ... e o prêmio de Melhor Pergunta vai para: João Cabral de Melo Neto! Ele perguntou a Vinícius de Moraes se o querido poetinha não cantava outras vísceras além do coração. Que figura ímpar, diferente! Como todos nós, né?